Essa semana preparamos uma pesquisa e gostaríamos muito que vocês participassem respondendo no link abaixo:
Meus queridos,
deixei duas crônicas pra vocês como sugestão de leitura, ok?
Boa semana!!! Bjo.
1. BRINCADEIRA - Por Luis Fernando Veríssimo
Começou como uma
brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
– Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro
disse:
– Como é que você soube?
– Não interessa. Sei de
tudo.
– Me faz um favor. Não
espalha.
– Vou pensar.
– Por amor de Deus.
– Está bem. Mas olhe lá,
hein?
Descobriu que tinha poder
sobre as pessoas.
– Sei de tudo.
– Co- como?
– Sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
– Mas é impossível. Como
é que você descobriu?
A reação das pessoas
variava. Algumas perguntavam em seguida:
– Alguém mais sabe?
Outras se tornavam
agressivas:
– Está bem, você sabe. E
daí?
– Daí nada. Só queria que
você soubesse que eu sei.
– Se você contar para
alguém, eu…
– Depende de você.
– De mim, como?
– Se você andar na linha,
eu não conto.
– Certo.
Uma vez, parecia ter
encontrado um inocente.
– Eu sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
– Não sei. O que é que
você sabe?
– Não se faz de inocente.
– Mas eu realmente não
sei.
– Vem com essa.
– Você não sabe de nada.
– Ah, quer dizer que
existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
– Não existe nada.
– Olha que eu vou
espalhar…
– Pode espalhar que é
mentira.
– Como é que você sabe o
que eu vou espalhar?
– Qualquer coisa que você
espalhar será mentira.
– Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um
telefonema.
– Escute. Estive pensando
melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
– Aquilo o quê?
– Você sabe.
Passou a ser temido e
respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
– Você contou para
alguém?
– Ainda não.
– Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma
reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta
de emprego. O salário era enorme.
– Por que eu? – quis
saber.
– A posição é de muita
responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
– Por quê?
– Pela sua descrição.
Subiu na vida. Dele se
dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém.
Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz
misteriosa que disse:
– Sei de tudo.
– Co- como?
– Sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
Resolveu desaparecer.
Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino.
Investigara. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia
remota. Os vizinhos contam que a voz que uma noite vieram muitos carros e
cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos
contam que mais se ouvia era a dele, gritando:
– Era brincadeira! Era
brincadeira!
Foi descoberto de manhã,
assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não
têm dúvidas sobre o motivo.
2. O Homem Nu - Por Fernando
Sabino
Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da
televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem
eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de
cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente
fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.
Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao
banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto
esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de
serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com
cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o
embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito
cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a
porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de
tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído
da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa
a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador
fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o
homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares,
esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento,
sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na
escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao
redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar
um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele
sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de
abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de
mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o
embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele
começa a descer.
— Ah, isso é que não! — fez o homem nu,
sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e
daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido...
Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu
apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele
momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os
andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter
a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu
andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada:
"Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?
Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia
em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a
porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando
inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento
vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. —
Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um
grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se
passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para
ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem
se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora,
bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo
abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.
Esta é uma das crônicas mais famosas do grande escritor mineiro Fernando
Sabino. Extraída do livro de mesmo nome, Editora do Autor - Rio de
Janeiro, 1960, pág. 65.
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